
O epitáfio do empreendedor
Um japonês orgulhoso, uma crise econômica fulminante e o retrato do orgulho humano. Crônica de uma falência negada.
Por meses pensei em parar naquela pequena loja de produtos orientais. O ponto comercial não era dos melhores: rua sem grande movimento, frente na contramão do trânsito. Mas ainda assim eu a notei, justamente por vender produtos que não se acha facilmente. E também o fiz por meses, cogitando parar. Até que um dia, vi de longe que a porta estava fechada. Colado nela, estava um grande cartaz: fechado para reforma.
Naquele dia, voltei pensando: quanto se perde em faturamento ao fechar por um tempo um estabelecimento para reforma e ficar sem vender? Será que iam aguentar? Lembrei de quando vi a logo daquela singela loja em um restaurante japonês do shopping. Para ser fornecedor local daquela rede, certamente tinham produtos de qualidade. Porém, como iriam continuar abastecendo aquele restaurante – e outros que possivelmente compravam lá – enquanto estavam em reforma?
No dias seguintes, não vi sinal de obras. Devem estar modernizando apenas o interior, pensei. Uma semana se passou. Na segunda, o cartaz começou a rasgar-se, sucumbindo às intempéries. Que demora para abrir! Na terceira, comecei a duvidar. Só na quarta, quando o cartaz já se partira e a porta amanheceu pichada é que me convenci: aquela loja não iria abrir mais. A crise tinha feito mais uma vítima.
Por que eles simplesmente não fecharam as portas? Ou um cartaz informando o fim das atividades? Não. Aquele cartaz provavelmente era para disfarçar a vergonha que seu proprietário sentia. Foi inevitável não pensar em como o fracasso é motivo de suicídios no Japão.
Imaginei um senhor oriental de meia idade, que foi pro Japão quando jovem, trabalhou duro por anos e, com as economias que juntou, montara aquela pequena loja, de onde tirava o sustento da família. Imaginei mulher e filhos, todos trabalhando juntos com dedicação. Ele escutava notícias distantes no telejornal: Operação Lava Jato, redução do PIB, impeachment… coisas sem importância, que não pareciam ter relação nenhuma com sua rotina na lojinha. Até que um mês, as vendas começaram a cair, sem motivo. No outro, não foi possível tirar pró-labore. No terceiro, as contas já não fechavam. Nos seguintes, perdera todo o crédito na praça. Porém, o decasségui não entendia a razão. Continuava acordando cedo, trabalhando duro e com dedicação, atendia bem e economizada em tudo que podia . Por que então aquilo estava acontecendo?
Ainda assim, as vendas só caiam. Por fim, precisou salvar o que lhe restava: a honra. Era preciso fechar a loja. Não, não resolvia só mudar de ponto – aquele já era dos mais baratos. Mas também não conseguia assumir o fracasso e deixar claro que estava fechando em definitivo, se é que fracasso podia ser atribuído a ele. A solução? Colar aquele cartaz. A expressão da negação da realidade. O orgulho registrado por um pincel atômico. Ou, talvez, um último suspiro de esperança de um empreendedor que pensou precisar apenas de um tempo para achar uma solução. Mal sabia ele que nem os estudiosos do governo, nem os do governo seguinte, encontrariam uma saída rápida.
Agora, quando vejo uma placa “fechado para reforma” em um estabelecimento, sei que essa reforma provavelmente será feita por outro empreendedor, quando assumir o ponto. Não pelo atual. É apenas um pedido de prorrogação do sonho de ter um negócio próprio, de tentar crescer pelo próprio esforço. Uma lápide corporativa em que nas entrelinhas diz “batalhei , mas sucumbi à crise”. A parte da história que as revistas de empreendedorismo não contam.