Médico é doutor. E você também pode ser!

Polêmica antiga:  médicos, assim como o advogados, deve ser tratado como doutores?  Há aqueles que recebem esse tratamento, mas não fazem questão. Já outros exigem que colegas e subordinados se refiram a eles como “doutor/doutora”. E, na outra ponta, há os que afirmam que doutor é só quem tem doutorado e ponto final. A questão, […]

08/24/2019 | Categorias: Aprendizado Carreira

tags:

Polêmica antiga:  médicos, assim como o advogados, deve ser tratado como doutores?  Há aqueles que recebem esse tratamento, mas não fazem questão. Já outros exigem que colegas e subordinados se refiram a eles como “doutor/doutora”. E, na outra ponta, há os que afirmam que doutor é só quem tem doutorado e ponto final.

A questão, para a qual eu já havia parado para pensar, se intensificou quando conheci minha esposa, que pertence à turma dos jalecos brancos. De um lado eu, com formação em jornalismo – e por isso incentivado desde a faculdade a não se curvar a autoridades e intelectuais. Do outro ela, afirmando que existia uma lei que determinava que médicos deveriam ser tratados como doutores. Ou, pelo menos, era o que ela ouvira de professores na faculdade.

Por isso, resolvi investigar a questão. O resultado foi que encontrei a Lei 11 de 1827 (disponível ainda hoje no site do governo). Segundo essa lei, são bacharéis os que frequentam qualquer dos cursos por cinco anos e são aprovados. E se, além disso, a pessoa cumprir os requisitos da categoria profissional, é conferido o título de Doutor.

O que isso quer dizer? Nada e tudo.

Não quer dizer nada porque:  (1) não sei precisar se a lei está em vigor (amigos estudantes ou bacharéis de Direito, manifestem-se). Ao menos não aparece como revogada, como outras do site do Planalto. Além disso, veja bem, a lei é de 1827. Então não custa lembrar que nesse período a escravidão ainda era permitida e uns 10% da população sabia ler e escrever. Fazer uma faculdade, então, era coisa pra gente de fato culta (para a época). Ou seja, uma lei – no mínimo- anacrônica.

E, para piorar: (2) a lei cita a criação dos cursos de Direito (ou de “Sciencias Jurídicas e Sociais”, para ser mais preciso), não de Medicina.

E por que essa lei também significa tudo? Vejamos: pelo que sei, os cursos de Direito e Medicina foram os primeiros do Brasil. Logo, por extensão, os médicos poderiam ser tratados da mesma forma, por se tratarem de uma classe (na época) muito distinta intelectualmente. Mas, vejam vocês, em nenhum momento da lei cria-se a obrigatoriedade de chamar alguém de doutor.

O que provavelmente aconteceu foi que, devido ao status que o tratamento “Doutor fulano” dava (e continua dando), não demorou para que médicos e advogados passassem a praticamente exigir que o tratamento respeitoso fosse utilizado sempre que alguém se referisse a eles.  Acrescente-se a isso um tratamento respeitoso que grande parte da população tinha com aqueles poucos “cultos” (para a época, pelo menos) que conseguiam terminar a faculdade. Daí sim terá o cenário perfeito.

O efeito de “status” é tão evidente que, pelas fontes que consultei, até conselhos de Fisioterapia e Enfermagem recomendam/permitem o uso do termo.

Mas, peraí! Vamos ver melhor o que diz a lei?

 

Art. 9.º – Os que freqüentarem os cinco annos de qualquer dos Cursos, com approvação, conseguirão o gráo de Bachareis formados. Haverá tambem o grào de Doutor, que será conferido áquelles que se habilitarem som os requisitos que se especificarem nos Estatutos, que devem formar-se, e sò os que o obtiverem, poderão ser escolhidos para Lentes

 

A lei diz que recebem o título aqueles que completam os cinco anos de estudo e cumprirem os requisitos profissionais. E os curso de Direito hoje não têm apenas quatro anos? E os engenheiros, não estudam cinco anos e, depois de registrados no CREA, não estão aptos a atuar? E digo mais: se sua graduação é de quatro anos, mas você fez uma especialização (logo, estudou cinco), você não seria equivalente a um “doutor”?

Por isso, o que podemos concluir é que muitos de nós somos doutores.

(pausa para reflexão e processamento dessa bomba…)

Tudo bem, talvez muitos de nós não perdemos anos de nossas vidas estudando para o vestibular – como acontece com quem faz Medicina. Porém, com licença: somos menos inteligentes que médicos e advogados? Sei de diversas pessoas que tinham notas semelhantes a quem depois fez medicina, mas nem por isso é chamado hoje de doutor – embora também tenham estudado cinco anos de suas vidas.

Aliás, o que é doutor mesmo? O próprio dicionário Aulete já reconhece como significado – além dos que se formaram em medicina e no doutorado – aquele que “se formou numa universidade”. Ou, quem sabe, a outra acepção: doutor é uma “pessoa douta, culta, estudada”. Simples assim.

Quem sabe então muitos de nós não somos doutores?!

Aliás, quem sabe até o senhorzinho com quem conversei dias desses no ônibus – que estudou muito pouco na vida, mas que sabe identificar o Udu-de-coroa-azul só pelo som de seu canto, além de saber o que ele come e que em época do ano se reproduz, assim como de muitos outros animais; fruto de seus não cinco, mas 50 anos de “estudo” empírico no mato – quem sabe até ele não seja doutor? A diferença é que ele , ao contrário de ALGUNS médicos e advogados, não faz questão de que o tratem dessa forma.

Assim, que tal valorizarmos o conhecimento de todas as pessoas, independente de sua especialidade?

Obs: amigos (e esposa) médicos e advogados. Não quis generalizar a categoria, mas apenas mostrar que há um mito sobre certas profissões, quando na verdade todas devem ser valorizadas

Texto escrito incialmente em 19/08/2013, por mim, para o Facebook, e revisado em 24/08/2019.

Vamos tomar um café?

Será uma satisfação trocar ideias, experiências e conhecer seus projetos